domingo, 20 de janeiro de 2008

Uma perspectiva cronológica sobre a ilha socialista das Caraíbas

Introdução

Estudar a história contemporânea cubana é, sem dúvida um desafio ao exercício do sentido crítico. A análise dos factos implica uma minuciosa contraposição das narrativas do Governo cubano, por um lado e das organizações de exilados, por outro. Mas resumir o século XX cubano, numa apresentação de meia hora, torna o desafio ainda maior.

Para essa abordagem, é apresentada neste trabalho uma perspectiva cronológica, que não pretende dar descrições exaustivas dos factos, de modo a conseguir abranger todo o período entre 1906 e a actualidade. Para conseguir a isenção desejada, a cronologia foi elaborada tendo por base textos que hierarquizam de formas distintas a importância dada aos mesmos episódios. Inevitavelmente, muitos acontecimentos não serão sequer referidos, não porque não lhes seja reconhecida a relevância, mas pela incontornável economia de conteúdo.

O trabalho está estruturado em três partes: uma primeira, na qual são referidos alguns antecedentes cuja compreensão é indispensável para compreender os desenvolvimentos seguintes; um segundo ponto, que retrata os aspectos considerados mais relevantes entre 1906 e a revolução de 1959; uma terceira fase, que procura retratar os acontecimentos desde a tomada do poder, por Fidel Castro e os seus companheiros, até à actualidade.


Antecedentes históricos

Proclamação da independência e a “Grande Guerra” com a Espanha: O primeiro movimento de independência de Cuba, foi encabeçado por Carlos Manuel Céspedes. Em 1868, este latifundiário proclamou a independência de Cuba e formou um exército revolucionário para combater a potência colonial. Céspedes foi deposto em 1873. Apesar disso, a resistência prolongou-se até 1878, quando as tropas espanholas finalmente retomaram o controlo da ilha.

A explosão do USS Maine, a entrada dos EUA no conflito e o fim do domínio espanhol: Em 1895, José Marti, líder do recém-formado Partido Revolucionário Cubano, desembarcou em Cuba, dando início a uma nova guerra de independência. A sua morte em combate, apenas um mês depois do desembarque, tornou-o um mártir pela independência e herói cubano até aos dias de hoje. Após a sua morte, os combates prosseguiram até 1898. Nesse ano, o USS Maine, um navio de guerra norte-americano estacionado no porto de Havana, foi destruído por uma explosão. Sem que se tivesse apurado a causa da explosão, a imprensa e o governo dos Estados Unidos apressaram-se a culpar a Espanha. Os Estados Unidos declararam guerra à Espanha e invadiram Cuba e Porto Rico.

A Emenda Platt e a Base de Guantánamo: Em 1901, o presidente McKinley e Tomás Estrada Palma assinaram a emenda Platt, na qual era autorizado aos EUA que interviesse militarmente em Cuba se os seus interesses económicos estivessem ameaçados. Dois anos depois, assinaram um acordo que permitia aos EUA a implantação de um estaleiro naval na Baía de Guantánamo, “exclusivamente para estações carvoeiras ou navais”.

De 1906 à Revolução de 1959

1906 - Fim da presidência de Estrada Palma: As relações entre o governo cubano e a administração de T. Roosevelt deterioram-se e este último acaba por invocar a emenda Platt para legitimar uma nova ocupação militar

1906 a 1908 – Estados Unidos detém o poder na ilha e consolidam o domínio económico. Antes de acabar o seu segundo mandato, Roosevelt negoceia a entrega do poder político novamente aos cubanos

1908-1912 – Presidência de José Miguel Goméz

1913-1921 – Presidência de Mário Garcia Menocal

1925 - Um novo golpe militar leva ao poder Gerardo Machado

1926 – Nascimento de Fidel Castro

1929 – Crash bolsista de Nova Iorque lança o caos na economia mundial. As consequências desta crise potenciam a expansão da ideologia socialista.

1933 – Sem conseguir melhorar a situação económica da ilha, arrastada para a Grande Depressão com o seu grande parceiro comercial, Machado é deposto por um golpe de Ramón San Martin.

1934 – Fulgêncio Batista derruba o Governo de Ramón San Martin. No âmbito da “política de boa vizinhança” de Franklin Roosevelt, os EUA revogam a Emenda Platt mas mantêm o estatuto de Guantánamo.

1940 – Batista eleito presidente da República. Nesse ano foi aprovada a Constituição Liberal, com um amplo consenso entre as várias forças políticas.

1944 – Batista é vencido em eleições e perde o poder para Ramón San Martin, líder do Partido Revolucionário Cubano

1945 – Fidel entra para a faculdade de Direito da Universidade de Havana e torna-se militante da Federação Estudantil Universitária.

1948 – Apesar da corrupção generalizada, o PRC acaba por ganhar novas eleições. É eleito Carlos Prio Socarrás. Nesse ano, Fidel Castro torna-se militante do Partido do Povo de Cuba (PPC, ortodoxo) que se debate contra a corrupção governamental.

1952 – Em 10 de Março, com eleições marcadas para esse ano, Batista liderou mais um golpe de Estado e tomou o poder. No dia seguinte ao golpe, Castro apresentou uma queixa contra Batista no Alto Tribunal de Cuba, na qual acusava o presidente de violação da constituição de 1940, exigia o restabelecimento das garantias constitucionais e uma pena de cem anos de prisão para o militar golpista

1953 - Um grupo armado denominado Directório Estudantil Revolucionário, liderado por José Antonio Etcheverria, lançou um ataque ao palácio presidencial. Etcheverria acabaria por morrer durante a malograda operação.

1953 - Numa acção de guerrilha urbana, outro grupo, comandado por Fidel Castro, atacou o quartel de La Moncada, em Santiago de Cuba segundo maior depósito de armas do regime de Batista. Os intervenientes neste ataque foram mortos ou feitos prisioneiros. Entre os detidos encontrava-se Fidel Castro. Este foi condenado a 15 anos de prisão. A sua defesa para o julgamento foi compilada num livro, "A História me Absolverá", publicado clandestinamente em 1954.

1955 - Fidel é amnistiado e abandona o país rumo ao México. No exílio conhece um médico argentino, militante comunista e revolucionário, chamado Ernesto “Che” Guevara. Este guerrilheiro ajudaria Fidel na formação do Movimento 26 de Julho.

1956 - A 2 de Dezembro, em Alegria del Pio, no sudeste da ilha, 81 homens do Movimento de Fidel desembarcam no iate Granma. Nos confrontos com as tropas governamentais, apenas 16 homens sobreviveram. Entre eles, estavam Fidel, o seu irmão Raul e Che Guevara. Estes conseguem alcançar a Sierra Maestra, onde, através do apoio popular, conseguem formar o movimento guerrilheiro que levaria à fuga dos detentores do poder.

1952-1959 – A ditadura de Batista foi um período de aumento das desigualdades sociais. Incrementou o desequilíbrio entre as áreas rurais e urbanas As maiores cidades, sobretudo Havana, tinham a economia dominada pelo dinheiro proveniente do submundo ítalo-americano do crime organizado. Os casinos, a prostituição e os negócios pouco claros, que os governantes cubanos alegadamente mantinham com os dirigentes mafiosos, levaram a um progressivo afastamento popular em relação ao regime. As acções de guerrilha, comandadas a partir da Sierra Maestra, intensificam-se. Para piorar a situação de Batista, os EUA retiram-lhe o apoio, deixando o seu regime a braços com uma guerrilha que não dava tréguas.


De 1959 à actualidade

1 de Janeiro de 1959 – Fulgêncio Batista abandona Cuba com os principais elementos do regime. Segundo as autoridades cubanas, levaram consigo a maior parte das riquezas do tesouro nacional para os EUA.

5 de Janeiro de 1959 – Os revolucionários liderados por Fidel Castro tomam o poder.

Maio de 1959 – Criação do Instituto Nacional de Reforma Agrária. Primeiras expropriações de grandes propriedades.

Fevereiro de 1960 – O Vice-primeiro-ministro soviético Anastas Mikoyan visita Cuba. Durante essa visita, são estabelecidos acordos de comércio para a exportação do açúcar cubano e importação de petróleo soviético.

Junho de 1960 – As refinarias norte-americanas recusam-se a refinar o petróleo soviético. A resposta do regime revolucionário é a nacionalização. Daí até Outubro, quase todos os bens de empresas americanas seriam expropriados e nacionalizados.

Outubro de 1960 – Washington proíbe praticamente todas as exportações para Cuba, com a excepção de alguns géneros alimentícios e medicamentos.

16 de Abril de 1961 – Castro declara Cuba um Estado socialista.

17 de Abril de 1961 – Cerca de 1300 exilados cubanos, apoiados secretamente pela CIA, invadem Cuba a partir da Baía dos Porcos. As tropas revolucionárias contêm o ataque, pois os EUA não prestaram o apoio que tinham prometido aos exilados contra-revolucionários, na sua maior parte antigos militares ligados ao regime deposto de Fulgêncio Batista.

Fevereiro de 1962 – Washington proíbe todas as importações cubanas.

Outubro de 1962 – O episódio que ficou conhecido como a Crise dos Mísseis de Cuba, foi um dos momentos de maior tensão da Guerra-fria. A crise começou quando os soviéticos, em resposta à implantação, em território turco, de rampas de lançamento de mísseis nucleares norte-americanos, instalaram também os seus mísseis nucleares em Cuba. O presidente norte-americano John F. Kennedy ameaça invadir Cuba, se o governo não desmantelar as estações de lançamento de mísseis. Após alguns dias de grande tensão, Kennedy concordou em retirar os mísseis da Turquia e Krutschev, em desmantelar as suas rampas de lançamento em Cuba.

1963 - Primeira visita oficial de Fidel Castro à URSS. Na declaração conjunta, a URSS compromete-se a defender Cuba em caso de ataque. Em reposta, os EUA proíbem todas as actividades comerciais com a ilha.

1965- Fidel Castro faz a leitura pública da carta de Che Guevara, na qual este renuncia a todos os seus cargos no partido, no Governo e como comandante militar. Che parte para o Congo, onde comanda acções guerrilheiras revolucionárias.

1966 – EUA promulgam a Lei do Ajuste Cubano, que facilita a entrada a imigrantes oriundos da ilha.

1968 – Governo de Castro assume praticamente todos os negócios privados do país, com excepção para as pequenas propriedades agrícolas. Nesse ano, Cuba apoia a invasão da Checoslováquia pela URSS.

1972 – Cuba adere ao Comecon (mercado comum do antigo bloco socialista, liderado pela União Soviética).

1975 - Cuba envia a Angola um contingente militar destinado a apoiar o Governo no combate às acções guerrilheiras da UNITA (Operação Carlota).

1976 – Os EUA reforçam o embargo.

1977 – Cuba envia tropas para a Etiópia.

1985 – Fidel designa o seu irmão Raul Castro, como seu sucessor.

1988 – O Governo cubano critica severamente a Perestroika de Mikhail Gorbachov. Nesse ano, Fidel assina um acordo no qual se compromete a retirar progressivamente os 50 mil soldados cubanos que combatiam nas fileiras do MPLA.1989 – Surge o lema “Marxismo-leninismo ou morte”. A partir dessa data, todos os discursos oficiais de Fidel terminavam com a ideia de “Socialismo ou Morte”, seguida da já conhecida “Pátria ou morte, venceremos”. É executado, por alta traição, o general Arnaldo Ochoa, (herói das guerras da Etiópia e Angola), bem como outros quatro militares de alta patente. As execuções dão origem a protestos dentro do Exército.

1991 –. Como consequência da implosão da União Soviética, Cuba perde o seu maior parceiro comercial (a URSS representava 85% das exportações cubanas. Retira as tropas do Congo, onde permaneciam desde 1977. Declara também a abertura da ilha a investimentos estrangeiros.

1992 – Ofensiva diplomática para romper com o isolamento do país que se depara com uma profunda recessão económica provocada pelo desaparecimento da URSS. Em Julho, a Assembleia Nacional legaliza alguns tipos de investimentos estrangeiros e prevê a eleição de deputados por sufrágio universal. Ao mesmo tempo, a lei concede mais poderes ao chefe de Estado, que, a partir de então, pode decretar Estado de Emergência. Fidel participa na 2ª Cimeira Ibero-americana, em Madrid.Os EUA reforçam o embargo, através da Lei Torricelli.

1993 – A representação militar russa, cuja presença na ilha remontava a 1963, abandona o território. Cuba e a Federação Russa assinam um acordo económico.

1994 – A crise económica provoca manifestações que acabam em confrontos com a polícia. Castro declara que não vai impedir saída de cubanos que tentam deixar país e milhares de cubanos embarcam em transportes precários em direcção à Florida. Fidel decide que não vai proteger as fronteiras de Cuba com os Estados Unidos e o fluxo de emigrantes (30 a 40 mil) obriga Bill Clinton a pôr travões à política de acolher todos os exilados cubanos.

1996 – Bill Clinton reforça o embargo comercial contra Cuba, promulgando a Lei Helms-Burton. Fidel faz sua primeira visita ao Vaticano e convida o Papa João Paulo II a visitar Cuba.

1997 – Em Outubro, o V Congresso do PCC, Fidel Castro reafirma seu irmão mais novo, Raúl Castro, como sucessor Em Dezembro, Fidel anuncia o regresso do Feriado de Natal ao calendário oficial cubano. Em Janeiro de 1998, João Paulo II Visita Cuba.

1999 – Hugo Chávez é eleito Presidente da Venezuela.

2002 – O antigo presidente norte-americano Jimmy Carter é recebido em Havana por Fidel.

2003 - Parlamento cubano elege Castro para o seu sexto mandato de cinco anos como presidente do Conselho de Estado, órgão supremo do governo cubano. São anunciadas medidas contra dissidentes, a quem chama mercenários que tentam minar o sistema socialista. Setenta e cinco opositores ao regime são condenados a penas entre os seis e os 28 anos de prisão. Três sequestradores de uma embarcação são condenados à morte e executados.

2004 – É decretada a proibição da circulação de dólares.

2005 – Em Havana, os governos de Cuba e da Venezuela assinaram os acordos de cooperação no âmbito da Alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA).
“Alba significa ‘sol nascente’, significa um novo amanhecer nas Américas, onde os povos se levantam, dispostos a ser livres ou morrer”, segundo Hugo Chavéz.
O primeiro ponto do documento é dedicado aos aspectos da saúde, com a formação de 30.000 médicos venezuelanos em Cuba e a realização de cirurgias a cidadãos venezuelanos de baixos rendimentos.

2005 – O presidente George W. Bush, afirma que “Cuba é um berço de tirania”. Fidel responde dizendo que se trata de um homem “perturbado”. Raúl Castro diz que o Partido Comunista permanecerá no controle de Cuba em caso de mudança de líder.

2006 – Fidel Castro delega os seus poderes a Raúl Castro, por motivo de doença grave.


Conclusões

Uma política imperialista (ou neocolonialista) norte-americana recusa-se a reconhecer a soberania da República insular. Apesar da doutrina do “Big stick” ter terminado em 1934, as políticas americanas para Cuba implicaram sempre o domínio das relações económicas. Ao contrário de Porto Rico, a ilha de Cuba resistiu à subserviência ao poderoso vizinho do norte. A análise dos factos consolida a ideia de que a vontade popular foi sempre um factor determinante para a manutenção do sistema político.

Cuba quis, sobretudo depois da chegada de Castro ao poder, afastar-se da influência dos EUA nas relações económicas. O embargo comercial decretado pelos americanos em 1960 (e várias vezes ampliado, ao longo das décadas seguintes) tornou esse caminho incontornável. Duante a Guerra-fria, os argumentos utilizados para justificar o embargo prendiam-se com a presença militar soviética na ilha. Com o fim da URSS os EUA sentiram-se mais à vontade para reformular as exigências para o sistema político cubano.

Actualmente, os EUA afirmam que a manutenção das restrições se deve ao facto de não haver democracia no sistema de partido único. Cuba responde com o argumento de que os EUA têm grandes relações comerciais com países que têm sistemas de partido único, como a China, ou outros, como a Arábia Saudita, onde nem sequer um partido existe, estando o poder centralizado na pessoa do Rei.

Os EUA decretaram (Lei Helms-Burton) que só levantam o bloqueio quando estiverem reunidas as seguintes condições:

a) A devolução das terras e bens expropriados a empresas norte-americanas durante a revolução de 59

b) A abolição total do sistema socialista (isto inclui o fim do Serviço Nacional de Saúde e do sistema educativo)

c) O desarmamento total do exército cubano

d) A nomeação de um governador norte-americano para a ilha

Cuba afirma que tais exigências significam, pura e simplesmente, anexação, e que isso é impossível de aceitar.


Bibliografia

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Documentos oficiais do Governo de Cuba:

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Constituição de 1976, com as reformas de 1992

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